quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O futuro já tem capital: Brasília


Reprodução da Revista O Cruzeiro de 7 de maio de 1960.

O futuro já tem capital: Brasília

O Brasil, com a sua nova Capital, deixa para trás o próprio tempo. Brasília saltou por cima do Século XX. É um poema com a marca da imortalidade. É de cimento e de sonho. Eis o que traduz a cobertura dos repórteres Ubiratan de Lemos, Audálio Dantas, Luiz Carlos Barreto, José Medeiros, Ronaldo Moraes, Paulo Namorado, Geraldo Viola, Rubens Américo e Lisl Steiner.

Brasília é a nova Capital

A CHAVE da Cidade está nas mãos do Presidente. O colosso, que é Brasília, foi obra de um esfôrço quase sôbre-humano. Tudo foi construído dentro de três anos de trabalho duro e constante. O mundo inteiro voltou suas vistas para o que, no dia 20 de abril, acontecia em Brasília: uma cidade para abrigar 500 mil habitantes se inaugurava e um sonho de mais de cem anos se tornava em realidade.

A DOIS de outubro de 1956 o Presidente Juscelino Kubitschek pisou o planalto pela vez primeira. Só havia no cerrado sulcos recentes. Meia dúzia de veredas de serviço, insignificantes tatuagens vermelhas no corpo crestado do chapadão. O Presidente posava de visionário. Descreveu uma cidade encantada. Aqui um lago, lá um palácio transparente, além os 3 Podêres da República. O vidente Juscelino não viu o sorriso irônico do pequeno auditório que testemunhou esse quadro.

Em março de 57 um trator abriu espaço para as primeiras barracas. E começaram os alicerces. A primeira estaca da Praça dos 3 Podêres foi fincada a 4 de janeiro de 58. Pois às 9.30 h do dia 21 de abril de 60, no Salão de Despachos do Palácio do Planalto, cercado por seus Ministros e Embaixadores Especiais, JK teve estas palavras curtas:

- Declaro inaugurada a cidade de Brasília, Capital dos Estados Unidos do Brasil!

No mesmo instante, o Poder Legislativo e Judiciário confirmaram a inauguração do jovem DF, que nasceu num dia de sol forte, e céu azul, a mais de 1.200 metros. Os Ministros do Supremo, com discursos do Presidente Barros Barreto e de Nelson Hungria, destacaram a tranquilidade do planalto, como propícia ao exercício de uma Justiça de profundidade, além da dinâmica de uma metrópole eclética. E houve aplausos no palácio branco do Supremo que, como os outros, parece levitar na área dos 3 Poderes. No plenário da Câmara os congressistas, sob a arquitetura ano 2 mil de Niemeyer, também instalaram o poder que legisla sobre os dois outros. E com vozes também quentes.Ficaram para trás as descrenças. A melopeia do pessimismo caboclo. Quase 3 anos de grita contra o poema-cidade do nosso oeste. São hoje peça de museu até mesmo os protestos bem intencionados. Brasília está aí - como realidade e mensagem. As suas orquídeas de cimento armado podem ser apalpadas pelo olhar mais desfocado. O seu jardim de concreto e vidro, que dá à cidade impressão de chapa de Raios X, também é imoderado impulso para a conquista de claros econômicos de mais de 6 milhões de Km2 de Brasil. Ela é a “cidade síntese” da fala presidencial, a fôrça aglutinadora de um povo que marcou encontro com o futuro, nos longes do Brasil Central. Não discriminará Estados, porque nivelará a dinâmica do progresso, entre irmãos ricos e pobres. Mas se lhe cabe essa função histórica, levando os marcos econômicos aos limites dos políticos, não é menos verdade que criou nova mentalidade para o País. O Presidente fêz mais que construir Brasília, descobriu as energias do seu povo. Um povo que se ignorava. E que desperta com Brasília para iluminar o mundo.

O Presidente havia empenhado a palavra: Brasília seria DF no dia 21 de abril. Teria de ser acelerado o galope da sua construção. Brasília, que nunca parou, teria de bater um recorde de velocidade sôbre si mesma. Fizeram-se mais rápidos os seus 60 mil candangos. As abelhas do planalto dobraram os turnos de trabalho. Foi uma sinfonia de martelos, picaretas, pás, com background de poeira. E máquinas enormes que abriam e asfaltavam quilômetros num só dia. Havia um misto de suor e sorrisos eufóricos. Suor de candangos trepados em andaimes e sorrisos de milhares de visitantes, uns 250 mil, segundo estimativa (de ôlho) da NOVACAP. Dir-se-ia uma imensa quermesse: gente exclamando em todos os sotaques nacionais. Então, no dia 20 a festa engrossou. Mais de mil carros, com placas de todos os Estados, cruzaram, por dia, a fronteira da caçula da Federação.

Em pouco, cêrca de 20 mil ou mais viaturas rodavam confusamente nos 300 km asfaltados de Brasília. Nos 26 km de eixo a eixo da cidade, mil engenheiros (de 25 a 30 anos de idade) comandavam a corrida para o 21 de abril. Só os Institutos, em 11 meses, construíram perto de 3 mil apartamentos de luxo, sem falar nos menores, em fase de acabamento. A instalação de micro-ondas foi resumida numa semana de trabalho. A Tv Brasília (associada) fêz-se em 90 dias: instalação de 400 operários, construção (por terminar) dos estúdios e montagem de tôrres retransmissoras, no eixo Brasília - Belo Horizonte - Rio e São Paulo. Mais de 4 toneladas de material técnico, inclusive video-tape, dispararam via área dos EE.UU. para Brasília, em menos de uma semana. Vejam o balanço de trabalho do Deputado Neiva Moreira, que superintendeu a mudança do Congresso. Pois, só num dia, êle alojou 240 deputados, instalando mais de mil mudanças, incluindo a de funcionários federais. Também num só dia, o Deputado Neiva Moreira comprou e instalou 600 camas. Além disso, providenciou 100 toneladas de comida. E ainda havia 4 aviões de prontidão, no Rio, para abastecer Brasília, no caso de necessidade. Só uma firma comercial (como tantas outras) vendeu 100 mil lanches acondicionados em plástico. Conteúdo: sanduíches, maçã, bombom e refrigerante. Tudo por 120 cruzeiros. Os bares inflacionaram os preços. Um sanduíche de mortadela custava 70 cruzeiros. E 225, dois ovos com arroz, com espera mínima de duas horas. As cantinas dos Institutos foram incorporadas à rede de alimentação, com preços razoáveis.

Com o seu lago de 62 km de linhas divisórias, seu recorde mundial de terraplenagem e seu bloco de 17 viadutos (a maior obra do mundo em concreto protendido), Brasília marcha para os seus últimos retoques até setembro próximo, Ficará, pronta, até a última vírgula do plano-pilôto de Lúcio Costa e da mensagem de Niemeyer, precisamente a 12 de setembro, quando o Presidente Juscelino fará aniversário. E como é o próprio Presidente quem o afirma, é claro que não cabe dúvidas.

 

Brasília, que tem clima saudável, mais mínimas que máximas, depende muito da cidade livre, cuja ficha são 13 bilhões de cruzeiros em víveres estocados e um movimento mensal da ordem de 800 milhões. Mas o debutante DF, que já custou 26 bilhões e que é autofinanciável (observe-se a supervalorização dos terrenos), terá, nos próximos dois anos, absolutas condições de vida. Segue-se um quadro de suas atuais condições, de parceria com a cidade livre. Brasília tem ginásio para 1.200 alunos, escolas primárias além de suas necessidades, colégios de irmãs dominicanas, clubes de bridge, 2 lavanderias, 6 cabeleireiros, um massagista, 30 farmácias, 35 agências de banco, 5 agências de automóveis, 15 restaurantes, 50 sapatarias, 2 mercados, 50 médicos, 20 dentistas, 10 piscinas, 5 hotéis, 6 buates, vários ribeirões, uma cachoeira, 17 times de futebol - e, por que não? - o Doutor Ralph, que faz cirurgia plástica. Vinte e seis troncos telefônicos (microondas) comunicam a cidade com o mundo. E apesar de seu ritmo de 24. horas por dia de trabalho, Brasília perdeu um recorde: o de acidentes de trabalho. Sòmente 944 casos simples, com um fatal, para a maior concentração obreira do mundo de 1960! E mais duas palavrinhas sôbre o que chamaram de operação-toillete. 3 mil operários limpando a cidade, em 3 dias. Maratona de vassouras sem política, mas com fartura de poeira. E vamos concluir esta minuta, uma página da enciclopédia de Brasília, com um desmentido. Nenhum deputado, ou senador, ou mesmo jornalistas, dormiu na “fôlha de jornal” do samba. Os apartamentos e casas de conjunto serviram a todos, embora sem excelentes condições. O que devia predominar era o espírito pioneiro. Um impulso enxuto de patriotismo. Uma contribuição de sacrifício.
O texto é reproduzido com a grafia da época